sábado, 28 de fevereiro de 2009

Carta de um filho a todos os pais do mundo



Não me dês tudo o que te peço. Às vezes peço apenas para saber qual é o máximo que posso obter.

Não me grites. Respeito-te menos quando fazes isso; e ensinas-me a gritar também. E eu não quero fazê-lo.

Não me dês sempre ordens. Se em vez de dares ordens, às vezes me pedisses as coisas com um sorriso, eu faria tudo muito mais depressa e com gosto.

Cumpre as promessas, boas ou más. Se me prometeres um prémio, dá-o; mas faz o mesmo se for um castigo.

Não me compares com ninguém, especialmente com o meu irmão ou com a minha irmã. Se me fizeres sentir melhor que os outros, alguém irá sofrer; e se me fizeres sentir pior que os outros, serei eu a sofrer.

Não mudes tão frequentemente de opinião acerca daquilo que devo fazer. Decide, e depois mantém essa decisão.

Deixa-me desembaraçar sozinho. Se fizeres tudo por mim, eu nunca poderei aprender.

Não digas mentiras à minha frente, nem me peças que as diga por ti, mesmo que seja para te livrar de um sarilho. Fazes com que me sinta mal e perca a fé naquilo que me dizes.

Quando eu fizer alguma coisa mal, não me exijas que te diga a razão por que o fiz. Às vezes nem eu mesmo sei.

Quando estiveres errado em algo, admite-o e será melhor a opinião que eu terei de ti. Assim ensinar-me-ás a admitir os meus erros também.

Trata-me com a mesma amabilidade e cordialidade com que tratas os teus amigos. Lá por sermos família não quer dizer que não possamos ser também amigos.

Não me digas para fazer uma coisa que tu não fazes. Eu aprenderei aquilo que tu fizeres, ainda que não me digas para fazer o mesmo; mas nunca farei o que tu me aconselhas e não fazes.

Quando te contar um problema meu, não me digas «não tenho tempo para tolices», ou «isso não tem importância». Tenta compreender-me e ajudar-me.

E gosta de mim. E diz-me que gostas de mim. Agrada-me ouvir-te dizer isso, mesmo que tu não aches necessário dizê-lo.

(autor desconhecido)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Acerca da morte


Nas suas últimas horas de vida, os computadores do mundo inteiro, transmitiam este texto via internet onde Gabriel Garcia Marquez, consciente que vivia os seus últimos dias, falou acerca da morte.


"Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapos e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente, pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem.
Escutaria quando os outros falassem e gozaria um bom gelado de chocolate.
Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, vestia-me simplesmente, atirava-me de bruços ao chão, deixando a descoberto não apenas o meu corpo, como também a minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saísse para o derreter.
Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo das suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas – amo-te, amo-te.
Aos homens, provava-lhes como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar.
A uma criança, dava-lhe asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos, ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi convosco, os homens...
Aprendi que toda a gente quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta com a sua pequena mão pela primeira vez o dedo do seu pai, o tem prisioneiro para sempre.
Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender convosco, mas, no final, não poderão servir de muito porque quando me olharem dentro desse computador, infelizmente estarei morto."



Gabriel Garcia Marquez

Cativar...


(...)
Foi então que apareceu a raposa.
- Olá, bom dia! - disse a raposa.
- Olá, bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.

- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho.
- És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
(...)
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho.
- Estou triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa.
- Ainda ninguém me cativou...

(...)
- O que é que quer dizer "cativar"- disse o principezinho?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa, Significa “criar laços…”
- Criar laços?
- Isso mesmo, disse a raposa. Para mim, não passas por enquanto, de um rapazinho em tudo igual a cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu não precisas de mim. Para ti, não passo de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no mundo. Serei única no mundo para ti…
(...)

Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:

- Levo uma vida monótona. Eu caço as galinhas e os homens caçam-me a mim. Todas as galinhas são iguais e todos os homens são iguais. Por isso me aborreço um pouco. Mas, se tu me cativares, será como se o Sol iluminasse a minha vida. Distinguirei, de todos os passos, um novo ruído de passos. Os outros passos fazem-me esconder debaixo da terra. Os teus hão-de atrair-me para fora da toca, como música. E depois, olha! Vês, lá adiante, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem nada. E é triste! Mas os teus cabelos são cor cor de oiro. Por isso, quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso. Como o trigo é doirado, fará lembrar-me de ti. E hei-de amar o barulho do vento através do trigo…

A raposa calou-se e olhou por muito tempo o principezinho.
- Cativa-me, por favor, disse ela.

(...)
- Como é que hei-de fazer?, disse o principezinho?
- Tens de ter muita paciência, respondeu a raposa.Primeiro,sentas-te um pouco afastado de mim, assim, na relva. Eu olho para ti pelo cantinho do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, de dia para dia, podes sentar-te cada vez mais perto…
No dia seguinte, o principezinho voltou.

(...)
Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando se aproximou a hora da partida:

- Ah! disse a raposa… Vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho,não queria que te acontecesse mal; mas tu quiseste que eu te cativasse…
- É certo, disse a raposa.
- Mas vais chorar!, disse o principezinho.
- É certo, disse a raposa.
- Então não ganhas nada com isso!
-Ganho, sim, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

(...)
E voltando para junto da raposa:

-Adeus, disse ele.
-Adeus, disse a raposa. Vou dizer-te um segredo. É muito simples: Só se vê bem com o coração. O essencial é invísivel para os olhos.
-O essencial é invísivel para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se recordar.

-Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
-Foi o tempo que perdi com a minha rosa… repetiu o principezinho, a fim de se recordar.
-Os homens esqueceram esta verdade. Mas tu não deves esquecê-la. Ficas para sempre responsável por aquele que cativaste. És responsável pela tua rosa
-Sou responsável pela minha rosa, repetiu o principezinho a fim de se recordar.


(O Principezinho - Antoine de Saint-Exupéry)