terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Cativar...


(...)
Foi então que apareceu a raposa.
- Olá, bom dia! - disse a raposa.
- Olá, bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.

- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho.
- És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
(...)
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho.
- Estou triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa.
- Ainda ninguém me cativou...

(...)
- O que é que quer dizer "cativar"- disse o principezinho?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa, Significa “criar laços…”
- Criar laços?
- Isso mesmo, disse a raposa. Para mim, não passas por enquanto, de um rapazinho em tudo igual a cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu não precisas de mim. Para ti, não passo de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no mundo. Serei única no mundo para ti…
(...)

Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:

- Levo uma vida monótona. Eu caço as galinhas e os homens caçam-me a mim. Todas as galinhas são iguais e todos os homens são iguais. Por isso me aborreço um pouco. Mas, se tu me cativares, será como se o Sol iluminasse a minha vida. Distinguirei, de todos os passos, um novo ruído de passos. Os outros passos fazem-me esconder debaixo da terra. Os teus hão-de atrair-me para fora da toca, como música. E depois, olha! Vês, lá adiante, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem nada. E é triste! Mas os teus cabelos são cor cor de oiro. Por isso, quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso. Como o trigo é doirado, fará lembrar-me de ti. E hei-de amar o barulho do vento através do trigo…

A raposa calou-se e olhou por muito tempo o principezinho.
- Cativa-me, por favor, disse ela.

(...)
- Como é que hei-de fazer?, disse o principezinho?
- Tens de ter muita paciência, respondeu a raposa.Primeiro,sentas-te um pouco afastado de mim, assim, na relva. Eu olho para ti pelo cantinho do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, de dia para dia, podes sentar-te cada vez mais perto…
No dia seguinte, o principezinho voltou.

(...)
Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando se aproximou a hora da partida:

- Ah! disse a raposa… Vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho,não queria que te acontecesse mal; mas tu quiseste que eu te cativasse…
- É certo, disse a raposa.
- Mas vais chorar!, disse o principezinho.
- É certo, disse a raposa.
- Então não ganhas nada com isso!
-Ganho, sim, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

(...)
E voltando para junto da raposa:

-Adeus, disse ele.
-Adeus, disse a raposa. Vou dizer-te um segredo. É muito simples: Só se vê bem com o coração. O essencial é invísivel para os olhos.
-O essencial é invísivel para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se recordar.

-Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
-Foi o tempo que perdi com a minha rosa… repetiu o principezinho, a fim de se recordar.
-Os homens esqueceram esta verdade. Mas tu não deves esquecê-la. Ficas para sempre responsável por aquele que cativaste. És responsável pela tua rosa
-Sou responsável pela minha rosa, repetiu o principezinho a fim de se recordar.


(O Principezinho - Antoine de Saint-Exupéry)

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